quinta-feira, 24 de junho de 2010

Psicoterapia e Coaching

Coaching no divã: o impacto das ferramentas de Coaching na psicoterapia
RedePsi [redepsi]

Autor: Nilson Redis

O objetivo deste artigo é analisar estudos que demonstram a relação entre processos de coaching e psicoterapia e as contribuições das ferramentas de coaching em determinados estágios dos processos terapêuticos.


Em função da crescente procura pelos processos de coaching iniciaram-se pesquisas para comprovar a eficácia desta técnica. Este artigo se baseia na pesquisa “The impact of life coaching on goal attainment, metacognition and mental health”, 2003, conduzida por Anthony M. Grant, fundador e diretor do Coaching Psychology Unit, da Universidade de Sydney, Austrália, além de outras fontes citadas no final do texto.
Neste estudo comprovou-se a eficácia de um processo de coaching de vida com contribuição para o efetivo desenvolvimento pessoal e na busca de metas dos participantes da pesquisa. Porém, este estudo revelou outras conclusões relacionadas à saúde mental e qualidade de vida destes indivíduos, as quais se destacam:
- Os participantes indicaram que os níveis de depressão, estresse e ansiedade foram reduzidos;

- Relataram uma melhora na qualidade de vida;

- Aumento dos insights;

- Re
dução dos níveis de compulsão por idéias paralisantes;

A conclusão da pesquisa apontou evidências de que um programa de coaching pode melhorar a saúde mental e qualidade de vida de um indivíduo. Com base neste pressuposto, a proposta é estender a utilização das técnicas de coaching em processos terapêuticos, onde o psicoterapeuta identifique oportunidades para agregar valor ao tratamento.





Neste artigo serão analisadas as diferenças entre coaching e terapia, os fundamentos do coaching e a contribuição das suas ferramentas em processos de mudança comportamental.

Coaching não é terapia
É comum a confusão entre coaching e terapia porque em algumas situações as competências dos terapeutas e dos coaches são muito parecidas, entretanto existem diferenças básicas. Normalmente se busca a terapia para resolver distúrbios e comportamentos emocionais e o foco, muitas vezes, esta no passado.
Em contraste com a terapia, o coaching é uma jornada em busca de sonhos, satisfação na vida e melhora da performance através da exploração do potencial do indivíduo. O coaching é procurado por pessoas que querem ajuda para atingir suas metas, sejam elas pessoais ou profissionais, e para isso re-examinam seus pressupostos em busca de novas opções e caminhos para atingir seus objetivos. Outro fator importante é que o Coaching trabalha do presente para o futuro. Ele só vai ao passado quando o cliente necessita de algum recurso ou habilidade que já usou antes e agora precisa novamente.

Coaching, um processo distinto e diferenciado de apoio as pessoas
O coaching utiliza ferramentas que levam ao autoconhecimento, permitindo criar escolhas e caminhos que levam a mudança. Desta forma ele combina conceitos oriundos da terapia cognitiva comportamental, psicologia positiva, inteligência emocional, filosofia, mentoring, management, pensamento sistêmico e na programação neurolinguística tornando-se uma disciplina diferenciada e única.
Da mesma forma que o coaching construiu ferramentas com base na sua evolução e junto a outras disciplinas o inverso também ocorre, ou seja, a utilização de ferramentas de coaching na psicoterapia em complementaridade aos processos terapêuticos.

Da teoria a prática: como as ferramentas de coaching podem contribuir com a psicoterapia

• As técnicas de comunicação do coaching

Um exemplo da contribuição do coaching para a psicoterapia é em relação às habilidades de comunicação do coach.

No coaching as técnicas de comunicação junto ao cliente, inclusive as não verbais, são partes do processo. Na metodologia o coach não dá respostas, mas estimula a reflexão através de perguntas. Neste processo a comunicação não verbal é fundamental, pois através da postura do cliente acessa-se a estados emocionais internos.
Desta forma a checagem entre a congruência emocional e postural do cliente é importante, pois ela aponta se o conteúdo expresso esta alinhado.

* Sistemas representacionais
De acordo com Joseph O´Connor, “Assim como vemos, ouvimos, sentimos sabores, tocamos e cheiramos o mundo exterior, também recriamos estas mesmas sensações em nossas mentes, re-apresentando o mundo a nós mesmos através do uso interno de nossos sentidos. Podemos nos lembrar de experiências passadas, ou imaginar experiências futuras possíveis (ou impossíveis). Você pode se imaginar correndo para pegar um ônibus (imagem visual lembrada) ou correndo pelos canais de Marte vestido de Papai Noel (imagem visual construída). A primeira terá acontecido. A segunda, não, mas você pode representar ambas.”

Isto significa que podemos representar as duas imagens usando nossos sistemas representacionais, que são o cinestésico, visual, auditivo, olfativo e gustativo.

Cada um de nós tem um sistema representacional preferido e o exemplo abaixo pode ilustrar claramente.

> Situação: “Eu não compreendo”
> Traduções para sistemas representacionais:

- “Estou no escuro” – Sistema Representacional Visual
- “Isto tudo é grego para mim” - Sistema Representacional Auditivo
- “Não consigo captar isso” - Sistema Representacional Cinestésico


* Aplicação na psicoterapia dos sistemas representacionais
Identificar e lidar com os sistemas representacionais são habilidades que podem ser desenvolvidas e contribuem para a psicoterapia no momento que o profissional que possui estas competências utiliza o sistema representacional para melhorar sua empatia com o paciente estabelecendo uma comunicação mais fluente e produtiva.

Quando o cliente relata uma emoção ou um fato racional, quais são os sistemas predominantes envolvidos? O psicoterapeuta identificando o sistema representacional dominante poderá acessar com maior empatia o significado daquela emoção, inclusive fazendo perguntas dentro do mesmo sistema.

• A otimização do tempo e a promoção de insights

No processo de coaching quem tem as respostas são os clientes. Cabe ao coach ter habilidade de fazer boas perguntas direcionadas ao objetivo do cliente e como alcançá-los.
Com base neste pilar do processo de coaching desenvolve-se a questão de foco no que é relevante para alcance do objetivo e como conseqüência há otimização do tempo.

Estas técnicas normalmente são utilizadas junto com processos de representações gráficas de como a pessoa se vê, entende seus recursos e imagina seus pontos fortes. Aliando-se estes desenhos e gráficos, permite em muitos casos além dos insights, a identificação na congruência dos desejos e comportamentos de cada paciente mantendo o foco nos pontos relevantes.

• Relação entre a compulsão por idéias e o insight

A pesquisa da Universidade de Sidney, apontada no início do artigo, revelou também que houve um decréscimo nos níveis de compulsão por idéias, enquanto o número de insights aumentou. Estes resultados indicam que índices de compulsão por idéias elevados podem levar a uma auto-centrada ruminação paralisante, ao invés de uma contribuição ao processo reflexivo associado à busca de objetivos.
O estudo também sugeriu que enquanto os indivíduos estão focados no seu processo para alcance das metas, tornam-se menos engajados na compulsão de idéias paralisantes, tendo maior número de insights.
Outra implicação deste estudo é que o excessivo enfoque na análise de idéias pode ser contraproducente em termos de alcance dos objetivos. O uso do processo de coaching com metas claras pode ser útil para contrariar tendências de idéias paralisantes prolongadas, principalmente pela questão metodológica, pois enquanto a psicoterapia normalmente é orientada para o processo, o coaching é orientado para os resultados.

A questão que a excesso de análise de idéias pode levar a depressão também fez parte de outro estudo do professor Paul Verhaeghen, PhD, e sua equipe na Syracuse University Psychology, de 2005, nos Estados Unidos, que estudaram a relação entre criatividade e depressão. A depressão é associada à inatividade, dificuldade de concentração e a vontade de ficar o tempo todo na cama, o que parece ser o contrário da criatividade, mas as pessoas depressivas são mais propensas a meditar e auto-refletir em excesso, o que torna a depressão uma variável intermediária, dado que a auto-ruminação também pode levar os indivíduos a gerar um grande número de idéias criativas.

Ou seja, a partir do momento que se cria através do processo de coaching um trabalho focado, alinhado com valores, com consciência das escolhas e estímulo a ação, pode contribuir também com redução dos níveis de depressão.

Esta questão tem uma longa tradição na própria psicoterapia, remontando Carl Rogers e, antes dele, a Otto Rank, que afirmaram que a perspectiva de uma data de término geralmente pré-estabelecida aumenta a eficiência da terapia. E a própria possibilidade desta data de término acaba contribuindo para um maior foco durante o processo.


O convite a ação. O estímulo no processo terapêutico
Um dos pressupostos do coaching é “Se quer entender, faça”, ou seja, o aprender esta no fazer. Por isso todas as sessões de coaching terminam como uma ação normalmente de iniciativa do próprio cliente, um pequeno passo normalmente em direção da mudança que ele quer fazer.
Acontece, porém que este pequeno passo tem proporções maiores pelo significado que ele possui. Ele pode representar à volta a confiança, uma melhora da auto-estima, a sensação de viver algo que ele sempre desejou, enfim, este pequeno passo pode desencadear fortes estímulos para alcance dos objetivos que a pessoa deseja.
No processo terapêutico estes pequenos passos podem ter influência em várias patologias emocionais, como por exemplo, a depressão. É claro que estas técnicas não resolvem o problema, já que muitas vezes trata-se de origem química, e psicológica, porém à medida que estes pacientes têm mais claros seus objetivos e percebem sua evolução, fortalecem-se a autoconfiança e auto-estima, componentes fundamentais no processo de melhora das patologias.

• Dois relatos de atendimento simultâneos com psicoterapia e coaching
Relatamos dois casos de pacientes que estavam recebendo atendimento tanto psicoterapêutico quanto de coaching simultaneamente. No primeiro caso, a dependência química a depressão vinha sendo tratada com medicamentos e terapia. No processo de coaching buscou-se focar em situações de satisfação e bem estar na vida, que estavam diretamente ligadas à redução da dependência química. Com pequenas metas e um objetivo maior em longo prazo o cliente conseguiu sensíveis melhorias em seu processo terapêutico, reduzindo de forma significativa a dependência química e como efeito complementar contribui para redução dos níveis de depressão.
No segundo caso o tratamento foi realizado por uma psicoterapeuta com supervisão de um coach. O paciente havia feito a formação em uma área acadêmica, mas estava com medo de exercê-la. Estava questionando sua capacidade e merecimento. A técnica utilizada foi à mesma de atribuição de tarefas feitas pelo próprio paciente. À medida que foi realizando estas tarefas o paciente começou a ver cenários que não imaginava e o mais importante, começou a se ver dentro destes cenários atuando. E o objetivo traçado foi alcançado e o paciente esta trabalhando na área desejada.

Conclusão
A grande contribuição do Coaching é ajudar as pessoas no auto-desenvolvimento. Neste processo cria-se uma série de ações que movem e estimulam descobertas e formas de ver a vida diferente, com novas perspectivas e principalmente com foco em pontos relevantes, consciência das escolhas e motivação para ação.
Desta forma o conhecimento das técnicas de coaching pelos psicoterapeutas e profissionais da saúde, passa a ser uma ferramenta indispensável para todos que desejam se atualizar na busca do que existe de melhor para seus pacientes.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Felicidade

Será difícil ser feliz?


Um dos clássicos da psicologia moderna é o livro de Mihaly Csikszentmihalyi que em português levou o título FLUIR. Csikszentmihalyi era então (1990) professor de Psicologia e Educação da Universidade de Claremont (USA) e membro da Academia Nacional de Educação dos Estados Unidos.


Em FLUIR, o autor fala dos "estados de experiência óptima", "os estados em que uma pessoa desfruta verdadeiramente de alguma coisa ou em que se concentra activamente numa tarefa, a ponto de se esquecer de tudo o resto". Também conhecido como "estado de atenção fascinada" ou "estado de fluxo" representa uma fonte de energia para enfrentarmos com mais vigor e entusiasmo os desafios da vida.

Numa época em que tantos livros de auto-ajuda nos tentam apontar caminhos para a descoberta da felicidade esta obra é seguramente uma das mais completas e acessíveis com a vantagem adicional de ter um fundamento cientifico (o que nem sempre acontece com muitos livros de auto-ajuda de autorias duvidosas).

Livro destinado ao público em geral, FLUIR resume em quase 400 páginas de agradável leitura mais de 20 anos de" investigação sobre os aspectos positivos da experiência humana - a alegria, a criatividade, e o processo de envolvimento total com a vida a que chamei fluxo"- diz o autor.
Csikszentmihalyi descobriu, por exemplo, que a felicidade não acontece. Não resulta da sorte ou do acaso. É, sim, "um estado que cada um tem de preparar, cultivar e defender. As pessoas que sabem controlar a experiência interior conseguem determinar a qualidade das suas vidas, que é o máximo que se podem aproximar do "ser-se feliz".

A felicidade resulta então de um envolvimento profundo com cada pormenor das nossas vidas, bom ou mau. Não é tentando procurá-la directamente que a conquistamos da mesma maneira que procurar o sucesso não garante que este seja alcançado. Então como proceder?

Diz Csikszentmihalyi: "Os meus estudos do passado quarto de século convenceram-me de que há uma maneira. Trata-se de uma via circular que começa por conseguirmos controlar o conteúdo da nossa consciência".
Como então? Resposta: "A nossa percepção das vidas que temos resulta de muitas forças que modelam a nossa experiência, cada uma influenciando a nossa boa ou má disposição. A maioria dessas forças transcendem o nosso controlo. Não há muito a fazer quanto ao aspecto físico, ao temperamento ou à nossa constituição. Não podemos decidir - pelo menos por enquanto - a altura que atingiremos ou a beleza de que seremos dotados. Ou seja, há muitos factores a que atribuímos muita importância para a nossa felicidade mas que estão fora do nosso controlo.

"Contudo - escreve Csikszentmihalyi, - todos passamos por períodos em que, em vez de sermos esbofeteados por forças anónimas, sentimos que controlamos as nossas acções, que somos donos do nosso próprio destino. Nas raras situações em que tal acontece, temos uma sensação de enorme alegria, uma sensação profundo de gozo que guardamos longa e carinhosamente e se torna um marco na memória de como deveria ser a vida. É a isto que chamamos de "experiência óptima".

Estudos levados a efeito em diversos pontos do planeta levaram a equipa de investigadores de Csikszentmihalyi a verificar que estes estados podem ser vividos por qualquer pessoa, rica ou pobre, negra ou branca, jovem ou idosa.
Estes estudos, que foram iniciados na Universidade de Chicago, prolongaram-se depois por outros países e envolveram muitos cientistas da Alemanha, Itália, Japão e Austrália. Descobriu-se, por exemplo, que a vivência frequente de "estados de fluxo" não só contribui para a felicidade como também para a saúde e a longevidade.

Já o médico Deepak Chopra descobrira que "as pessoas que têm melhores resultados em qualquer empreendimento da vida geralmente seguem um padrão para administrar os seus desejos sem lutar indevidamente com o meio ambiente (os factores externos) colocam-se no fluxo".

O doutor Csikszentmihalyie defende que as pessoas devem tentar desenvolver uma personalidade "autolética", isto é, devem aprender a saber transformar as ameaças em desafios para poderem conservar a sua harmonia interior.
Para desenvolver tal personalidade são apenas necessárias quatro coisas:

1º definirmos objectivos claros a alcançar na vida e desenvolver competências para os atingir;
2º deixarmo-nos imergir pela actividade, ou seja, envolvermo-nos profundamente naquilo que fizermos;
3º prestarmos atenção ao que se passa à nossa volta, ou seja, concentração para nos podermos envolver tal como fazem os atletas de alta competição;
4º aprendermos a desfrutar da experiência imediata mesmo quando as condições são brutais e adversas.

Um alerta: o excesso de estímulos da vida actual (sons, luzes, imagens, etc) impedem o estado de fluxo porque a energia psíquica é demasiado fluida e errática. Pela mesma razão, a insegurança, a ansiedade e o egocentrismo excessivos impedem-nos de o alcançar. São entraves que se localizam no interior das pessoas.

Seria magnífico que a educação actual apostasse em ensinar às nossas crianças a desenvolverem personalidades autoléticas. Seriam mais felizes e mais tranquilas. E haveria menos queixas de hiperactividade nas escolas, desatenção, desmotivação, insucesso e ansiedade.

Como já escrevi anteriormente, uma lenda indiana diz que Deus escondeu a felicidade no sítio mais inacessível do Universo: não no fim do Mundo, não na montanha mais alta, nem tão pouco nos abismos marinhos. Escondeu-a dentro de nós mesmos. É lá que ela reside desde que nascemos e por isso quanto mais nos concentramos no mundo que nos rodeia menos somos capazes de perceber que o nosso bem-estar, o nosso equilíbrio, a nossa harmonia, enfim, a nossa Felicidade está cá dentro, tem de vir de dentro para fora e não no sentido contrário. Por muito que olhemos ao espelho não a detectamos. Por muito que aprendamos nos livros não a descobrimos ali. E, assim, distraídos numa sociedade que é cada vez mais cheia de imagem e cor, não nos ocorre que as primeiras e mais importantes aprendizagens devem ser acerca de nós próprios.

Então, o auto-conhecimento seria pois o primeiro passo para a conquista da Felicidade. De outra forma, acontecerá o que o filósofo Voltaire vaticinava: "sabemos que a felicidade existe mas não conseguimos dar com ela".